Eu tinha 16 anos quando ganhei minha primeira câmera fotográfica (nos anos 80, essas coisas eram caras e não tão acessíveis como hoje.) Uma tekinha que minha irmã me deu de presente de natal. Era basicamente uma caixinha preta que se encaixava o filme. O filme ficava até exposto para fora, tinha uma alavanca para passar as frames do filme e um lugarzinho para encaixar um flashcube descartável (um flash manual que tinha capacidade para fazer 4 disparos - cada disparo, tinha que trocar a posição do flash manualmente - e após 4 disparos, tinha que jogar fora e substituir por um novo)
Eu amei aquela tekinha. Fotografava coisas banais da vida em família e amigos. O tempo foi passando e eu casei, tive filho e acompanhei seu crescimento. Foi nessa época, já com 25 anos, que percebi algo que estava me escapando – o tempo. Meu filho, que nessa época era o tema central de minhas fotografias, fazia coisas que ele só faria uma única vez.
- Um dia ele andaria pela primeira vez.
- Só teria festa de primeiro aniversario uma vez.
- Só seria batizado uma vez
- Só aprenderia a andar de bicicleta uma vez
- Um dia ele se formaria pela primeira vez.
Eu percebi que a fotografia tinha esse poder de congelar o tempo e nossas lembranças.
Fotografia nunca mais foi a mesma depois disso, para mim.
Comecei a pensar seriamente nela, como um registro de tempo e acontecimento. Como algo que eu talvez só existiria naquele instante em que eu a captei.
Comecei a ler sobre fotógrafos famosos e o que os fazia famosos. Comecei a aprender. Foi nessa época que eu entrei na Escola Panamericana e aprendi fotografia.
Fotografia deixou de ser um mero click e passou a incorporar palavras como Luz, sombra, tons de cinza, flash, estúdio, temas.
Primeiro aprendizado: fotografia começa no olhar. E eu passei a olhar. Minto. Passei a observar:
- Olha como o sol forma uma sombra bonita naquele prédio?
- Olha como aquela mãe segura o bebê dela?
- Olha como as linhas do trem formam uma figura bonita em contraste com aquele muro essa hora do dia?
- Olha aquela árvore?
E o tempo foi passando...
Um dia estava numa viagem e vi uma flor, num cacto. Apaixonada por fotografar flores como eu sou, apontei a câmera para ela e fiz uma imagem. Estava admirando a beleza delicada dela quando o guia se aproximou, e disse:
- Você sabia que esse tipo de cacto demora um ano para florescer e, quando a flor nasce, ela vive apenas por 24 horas? Amanhã a essa hora, essa flor já terá murchado e ver outra, só daqui um ano.
Olhei para a flor com o maior respeito. Ela tinha ganhado um novo sentido para mim. Ela havia esperado um ano para estar ali, contemplando feliz a luz do sol. E seria esse único sol. E depois a única lua da vida dela. E era isso que ela tinha: 24 horas de vida para tirar dali o melhor dela. E aproveitar todos os minutos. E depois, ela deixaria de existir.
Sim, é verdade que ela deixaria de existir como ser vivo. Mas ela jamais deixaria de existir na minha câmera. Porque eu tive a sorte e o privilégio de estar lá, naquele momento, para capturar sua vida e eternizá-la.
É por isso que eu fotografo. Porque, depois de um tempo, quando eu olho para a imagem, eu vejo o passado; um momento fugaz no tempo que foi eternizado. Porque, talvez, eu nunca mais passe por aquele caminho, ou quando volte, a paisagem não será mais essa.
Lembro de uma viagem que eu fiz à Salvador na Bahia. Visitei uma ilha chamada Ilha dos Frades, espécie de passeio obrigatório para turistas. A ilha era um encanto só: minha ideia de paraíso. No morro mais alto da ilha, a visão estonteante da praia e uma igrejinha abandonada em ruínas. Que fotógrafo resiste a construções em ruínas?
Anos depois eu voltei na Ilha dos Frades. Já mais civilizada, com a orla revitalizada, com passarela para caminhar, com porto para as embarcações. O morro mais alto continuava lá, e a igrejinha também. Não mais em ruínas. Restaurada, no auge dos seus melhores dias.
Por que eu fotografo?
Porque a fotografia tem o poder de congelar o tempo, um instante, um segundo, um sentimento:
O olhar apaixonado do noivo para a noiva.
O orgulho dos pais ao ver o filho graduar na escola
O amor das crianças pelos seus bichinhos de estimação.
A imponência orgulhosa dos prédios modernos riscando o céu.
A decadência dos prédios antigos que um dia foram tão orgulhosos quanto os modernos.
O que eu fotografo?
Eu fotografo a história
Fotografo a autoestima
Fotografo a descoberta dos primeiros passos
Fotografo o encontro de amigos
Fotografo o amor
Fotografo a amizade
Fotografo o profissionalismo
Fotografo o orgulho de um trabalho bem feito.
Fotografo a vida em todas as suas formas.
Quem eu sou?
Somente alguém que aprendeu a olhar.