Por muitos anos eu trabalhei numa empresa, em regime CLT, de segunda a sexta, das 9 as 18, odiando as segundas feiras e comemorando cada sexta feira como final de copa do mundo.
Por muitos anos engoli sapos, calei a boca, deixei para lá, evitei entrar em conflitos desnecessários e fechei os olhos para tudo que eu achava errado.
Por muitos anos me fechei dentro de um cubículo sem janelas, olhando o mundo pelas noticias no computador, sem saber se do lado de fora estava frio ou calor, sol o chovendo.
Por anos sem conta eu desejei fazer algo diferente, ter coragem de largar tudo e perseguir meus sonhos, mas eu estava presa nas correntes invisíveis da zona de conforto. Tava ruim, mas eu tinha férias, 13º, fins de semana livres e salario todo mês pingando na minha conta no banco, mesmo nos meses em que o salario se resumia a cobrir temporariamente minha conta – sempre no vermelho – do banco.
Estava morrendo aos poucos, enterrada numa rotina que nada tinha a ver comigo.
Não que isso não me fosse confortável, seja bem. Graças a essa rotina assassina de sonhos, eu comprei apartamento, carro, escola do filho, viagens... vivia presa numa gaiola de ouro, tendo tudo que queria, conforto, segurança... a vida não poderia ser melhor.
Mas ainda assim eu odiava as segundas feiras e comemorava cada sexta feira e feriado como se fossem Brasil vencendo a copa do mundo contra a Argentina.
Algo em mim se rebelava contra essa gaiola de ouro.
Algo em mim queria tempo livre, tempo para fazer todas as coisas que eu não conseguia, tempo para ver o sol, saber da chuva, ver o mundo ao meu redor.
Algo em mim lutava contra a zona de conforto, queria mais.
Então aconteceu o inesperado: a empresa fechou as portas e foi como se alguém mexesse no meu queijo. Abriram a porta da minha gaiola de ouro.
E agora?
Medo! Pânico até! O que seria de mim? Como iria viver? E agora? E agora?
Passei uns dias vivendo um estado interessantíssimo: parte de mim estava desesperada querendo voltar para dentro da jaula. Parte de mim sentia um alívio tão grande!
Se por um lado o futuro tinha acabado de ser um lugar seguro, com salario pingando todo fim de mês e contas pagas, viagens planejadas e sonhos possíveis, por outro ele abria um leque de possibilidades infinitas: eu poderia fazer outra coisa totalmente diferente na minha vida. Poderia terminar aquele livro que comecei a escrever e nunca cheguei na pagina final; poderia ir vender água de côco numa praia paradisíaca qualquer e aprender a pintar o nascer do sol; poderia abrir minha própria empresa e aplicar todos aqueles conceitos que eu achava que faltava na empresa que fiquei enterrada 22 anos; poderia fazer o que eu gosto.
Num mundo de possibilidades, do que eu realmente gostava?
E eu desconfio que minha alma sabia isso muito antes do meu cérebro porque, de todos os planos que eu fiz, em nenhum deles eu incluía a fotografia. Fotografia era meu prazer maior, não era para ganhar dinheiro.
Eu não me dava conta do quanto fotografar me fazia feliz. Eu não via fotografia como trabalho porque “trabalho” é sinônimo de “sofrimento” e antônimo de “Prazer”. Trabalho é obrigação, fotografia é.. ah! Fotografia! É o refúgio, o lugar que eu vou quando tudo está ruim, o lugar que eu esqueço de mim e me torno expectadora de momentos únicos, a felizarda que conseguiu captar um segundo fugaz de felicidade, um momento de descuido do sorriso furtivo, o décimo de segundo que os olhares se cruzaram.
E assim, sem qualquer planejamento prévio, eu comecei a fotografar. Primeiro porque era uma forma de não pensar na minha situação de sem-emprego. Uma válvula de escape; mas uma coisa leva a outra e hoje eu fotografo como profissão.
Hoje eu entendo a máxima que dá título a essa postagem.
Trabalho agora é sinônimo de prazer. Fiz as pazes com as segundas feiras e todos os dias viraram dias de final de copa do mundo.